SANTA SARA NOS ABENÇÔE!

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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Um artigo muito interessante!

A CULTURA DOS MALABARES COMO MEDIDA DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO

Era segunda-feira, o Léo me chamou pra uma ida até o Beco, o Circo no Beco. Haveria uma competição de calouros disputando um ingresso para uma convenção. Eu não conhecia o Beco, sabia da existência, sabia o que acontecia lá, mas não conhecia de fato.

Chegando lá vi o que era efetivamente: uma quadra de basquete aberta, onde havia um picadeiro improvisado com uma banda (bastante percussiva, o que me fez gostar bastante) e uma multidão de pessoas com os estilos e figurinos dos mais variados e excêntricos. Várias das pessoas fazendojuggling
poicontact staff, enfim, toda a variedade de malabares que se possa imaginar. Ao redor do evento, pessoas vendendo materiais para malabares, maquilagem de palhaço e um monte de coisas divertidas.

No centro do picadeiro se apresentavam os candidatos, uns muito bons – muito bons mesmo, fazendo acrobacias inimagináveis – outros mais engraçados do que bons. O evento era muito empolgante, o clima era interessantíssimo. Uma coisa bem diferente do comum, uma boa quebra de cotidiano.

Mas o que me chamou mais atenção foi a proposta do Circo no Beco: um trabalho para promover a arte circense, a arte de rua e a arte nas ruas! Um clã do chapéu. Trabalho muito digno realizado pelos organizadores do lugar.

A idéia de trazer a arte para a rua, a postura do malabarista, me remete a algumas coisas: a tradição circense, a tradição cigana e, por oposição, a nossa tradição social capitalista, judaico-cristã, neoliberal e todo o blábláblá.

A “tribo” do beco quer ganhar a vida com a arte, com a contribuição deixada no chapéu, quer a liberdade de expressão – expressão da beleza e do efeito delirante da arte malabarista. E qual é a primeira coisa que nossa tradição nos faz pensar quando um determinado indivíduo resolve ganhar a vida no semáforo ou no parque? Simples: vagabundo! Sabem porque eles não conseguem ganhar dignamente a vida nas ruas? Porque você e eu vemos o artista de rua da mesma forma que vemos o mendigo ou o pedinte sem nos darmos conta de que o artista não pede por pedir (não questionando a necessidade do pedinte e do mendigo), oferece arte em troca. Mas também, que valor damos à arte afinal, não é mesmo?

É aqui que me remeto à tradição cigana, eu com meu sangue espanhol neto de uma avó cartomante. Acontece com a arte circense o mesmo que acontece com a caravana cigana: exclusão. Até porque é bastante estreita a relação entre as duas coisas, mas não vou me ater a esse ponto.

Meu ponto é convidá-los à reflexão: por que nossa tradição exclui essas outras? Não posso precisar com certeza, mas posso pensar numa hipótese. Minha hipótese é de que excluímos o artista de rua porque ele nos remete ao mais frágil de nós: nossa imobilidade diante da clausura!
Nós não ousamos ir contra o instituído. Não nos atrevemos contra o poder. Desde crianças aprendemos a reagir à pressão do poder (por exemplo às exigências de nossos pais) de modo ortopédico, somente buscando um modo de nos adaptarmos ao que o poder exige de nós, sem colocá-lo em questão. Não nos permitiram entender que o poder está em questão (inclusive o nosso) e é passível de mudança, porque, afinal, ele é somente um outro pólo da mesma relação que estabelece sobre nós.

Corajosos os artistas que pretendem tornar mais bonito e reflexivo o nosso cotidiano, enfrentando bravamente ao preconceito gigantesco que demonstramos ao dar uma moeda (quando muito) ao artista de rua, porque é tudo que merece um vagabundo, do lucro de meu trabalho árduo. Como se não fosse árduo treinar o corpo diariamente para atingir um grau de maestria que embelezasse o seu dia, doutor.

Fica o apelo: olhem mais para os artistas nas ruas e permitam que eles os façam olhar para si próprios.


Este texto é dedicado à Leonardo Golodne, o melhor contact juggler que conheço e caro amigo.

(EXTRAIDO DO BLOG "O SUBTERRÁQUEO.)-20/10/2008.

TEXTO DE AUTORIA DE NYRO(Não consta sobrenome).