SANTA SARA NOS ABENÇÔE!

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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Trecho de uma entrevista com FLORENCIA FERRARI,ANTROPÓLOGA...



Cosac Naify
SINOPSE DO LIVRO:(Publicado em 2005).


"O mundo não seria o mesmo sem os ciganos. Presentes em quase todos os países, eles marcam as mais diversas culturas com sua dança, música, costumes e tradições, herdados de geração para geração. Neste livro, a antropóloga Florencia Ferrari apresenta seis contos recolhidos na tradição oral de comunidades ciganas de diferentes países. São histórias de enganação e sedução, esperteza e bom humor, prodígios e assombros, que apresentam os principais traços da vida cigana, numa costura literária que recusa os estereótipos e clichês. Stephan Doitschinoff utilizou recortes de tecidos, mapas, dinheiro, fotografias, para compor o cenário andante e aventureiro dos ciganos."



COISA DE CIGANO                                                                                                              

A nossa entrevistada do mês é a antropóloga Florencia Ferrari, nascida em Córdoba  Argentina (1976), mas que, desde os seis meses de idade, mora em S. Paulo. No Depto. de Antropologia Social da USP, defendeu a dissertação de mestrado intitulada: “Um olhar oblíquo – contribuições para o imaginário ocidental sobre o cigano” (2002), que tratou da presença dos ciganos na literatura ocidental. Doutoranda pelo mesmo Depto., ela continua sua pesquisa com um grupo de ciganos calon do interior de São Paulo, em Santa Fé do Sul, com quem conviveu. É, ainda, editora da revista Sexta Feira – Antropologia, artes e humanidades.
Florencia acaba de receber o prêmio de melhor livro reconto de 2005 da Fundação Nacional do Livro Infanto-juvenil com Palavra cigana. Seis contos nômades (ilustrações de Stephan Doitschinoff, 2º lugar no prêmio Jabuti de melhor ilustração. São Paulo: Cosac Naify, 2005, 89 pp.). Palavra cigana é um conjunto de seis contos da tradição cigana e explicita ao final traços culturais sucintos da comunidade, fontes e indicações de leitura, referências teóricas, literárias e artísticas. Os contos foram destacados em um leque de opções e adaptados pela autora, preocupada em apresentar um pouco da cultura das comunidades ciganas ainda tão misteriosas para nós. A pesquisa que ela desenvolveu é objeto desta entrevista.

>> CVA - Olá Florencia. Adorei o formato do teu livro: parece um livro infantil e é um livro de antropologia. Não que sejam gêneros excludentes, mas, via de regra, os antropólogos fazemos livros de letras e, no máximo, com poucas fotos, o teu é recheado de ilustrações. Qual foi o teu propósito com esta iniciativa? 

Florencia - De fato, eu nunca imaginei que escreveria um livro infanto-juvenil. A iniciativa foi do Augusto Massi, editor e diretor da Cosac Naify, que me convidou para escrever um livro de contos para uma série chamada Mitos do Mundo, em que haviam sido publicados mitos indígenas, afro-brasileiros, peruanos, indianos, organizados por antropólogos ou sociólogos. A idéia dessa coleção é interessante pois trata de traduzir um conhecimento comumente isolado na academia para um público mais amplo, e mais ainda, para crianças ou adolescentes, quer dizer, com intenção de apresentar modos diferentes de ver o mundo numa fase de formação, evitando talvez que se criem estereótipos, ou ajudando a combatê-los.
Eu fiquei cerca de um ano e meio pesquisando contos ciganos do mundo todo. Li mais de 300 e os classifiquei por temas, linguagem, estilos narrativos. No final escolhi seis que me pareceram representar melhor as características que eu considero mais relevantes do conjunto pesquisado.

 CVA - Os contos que você selecionou para este livro nos revelam um tanto dos costumes e dos valores dos ciganos. Eles aparecem ali definidos como “grupos familiares que levam uma vida nômade, espalhados por quase todos os países do mundo”, a partir da Índia. Como a maioria das pessoas, acredito, eu pensava que eles fossem originários do Egito. Naturalmente, o estilo nômade de vida deles e a tradição oral contribuem para que eles venham agregando costumes e valores culturais dos locais por onde passam, mas, é possível supor uma cultura de base comum e inalienável às comunidades ciganas espalhadas pelo mundo? Ainda que o teu estudo seja pontual sobre um grupo de ciganos, é possível supor que eles tenham mitologia, religião, língua, culinária, dança, música, atividades e valores comuns entre eles?

Florencia - Você toca num ponto que me parece crucial no estudo dos ciganos, e no qual eu comecei a pensar recentemente. Os antropólogos mais sérios criticam as grandes generalizações que tratam “os ciganos” indistintamente, como se fossem todos iguais; no lugar disso, defendem que cada etnografia só pode falar de si mesma. Ao fazer isso acaba-se por ter uma idéia de uma unidade isolada, algo que é difícil de sustentar entre os ciganos.
Esse problema teórico foi tratado pela antropóloga inglesa Marilyn Strathern com respeito às etnografias da Melanésia. A solução que ela deu ao problema foi propor traçar “conexões parciais” entre todas as etnografias, sem, no entanto, nunca formar um todo. Acho que o mesmo se aplica aos ciganos. Há muitíssimas diferenças internas, e no entanto todas as etnografias são conectáveis, talvez não por meio de um máximo divisor comum, mas como num rizoma: as conexões podem ser traçadas de um ponto a qualquer outro.
Se eu tivesse que arriscar uma característica comum a todos os ciganos eu diria que todos nos chamam de gadje (as variações são: gajão, gorgio, gajé, surpreendentemente parecido ao goe dos judeus e o gaijin dos japoneses), e fazem questão de marcar diferenças em relação a nós, a nosso modo de vida, de trabalho, de identidade territorial, nacional. Enfim, o cigano se define, ao meu ver, pela negação, pela linha de fuga em relação ao central que somos 


 CVA - Os ciganos ainda sofrem perseguições? Como o governo brasileiro trata os ciganos?

Florencia -
 Sem dúvida. O governo brasileiro não trata os ciganos. Isto é, os ciganos nem sequer são considerados na legislação, não existem do ponto de vista de direitos especiais que levem em conta sua particu
particularidade cultural.Este ano, recentemente, foi problematizado o conhecimento que o governo tem sobre essa parcela da população e criou-se uma espécie de fórum de discussão ligado ao Ministério da Cultura, mas ao que parece não foi levado adiante, já que eu tentei entrar em contato e não obtive nenhuma resposta. As autoridades tratam os ciganos segundo as leis do estado, sem levar em conta seu nomadismo. São sistematicamente expulsos das áreas onde acampam. 

 CVA - Finalmente, a que você atribui o descaso dos governos ou dos pesquisadores pela cultura dos ciganos? 

Florencia -
 No caso do governo, falta de interesse. No caso dos pesquisadores, acho que falta de tradição nessa área, e a dificuldade de travar relações com eles, já que as regras de evitação com o gajde são muito fortes. Não creio que falte interesse e curiosidade sobre ciganos, ao menos desde que comecei a estudá-los, notei enorme fascínio das pessoas quando conto da pesquisa.


EXTRAÍDO DE:






2 comentários:

www.amsk.org.br disse...

Ela é muito boa. Quando lí o doutorado em 2010 fiquei apaixonada.

bjs grandes

zerafim - contos de um anjo disse...

Primeiro quero dizer ue sua nova foto está ótima.
A matéria é boa e concordo com as cozinheiras, a tese é fantástica.

zerafim