Nós, artistas ultrapassamos o mundo real, o cotidiano cinzento, a mesmice formatada em vida, dos que habitam as grandes cidades poluídas e barulhentas ou os espaços cada vez mais reduzidos de criatividade e imaginação do ser humano comum. Na arte nos libertamos, nela fazemos um novo mundo, nela criamos uma nova dimensão, dela fazemos um caminho livre. Disto falo com absoluta certeza, porque sou também artista.
Nós, ciganos ultrapassamos todos os dias a realidade, para vivermos nossas histórias humanas. Mesmo seguindo os caminhos da rotina, do cotidiano, transcendemos o concreto, o banal e o comezinho, transformando as dificuldades diárias de sobrevivência pela nossa forma de encarar a vida. A nossa existência é arte, é magia, é esperança, é criatividade, é alegria e, acima de tudo, liberdade. Disto também falo com absoluta certeza, pois está no meu sangue e é minha filosofia de vida.
Talvez seja por isso que ao longo do tempo, na história da humanidade foram os artistas e as crianças que sempre nos admiraram e acolheram em sua alma. Nesta sociedade formal, austera e racionalmente fria, cujos traços próprios da infância como sensibilidade, ludicidade (o brincar), imaginação, fantasia e sonho, se perdem como conseqüência da idade adulta, surge a decadência da saúde física e mental, porque os adultos se afastam destes traços essenciais do ser humano pleno. Frederico Garcia Lorca, o grande poeta espanhol nascido na Andaluzia (1898-1936)e assassinado pelos soldados do ditador Franco, escreveu muitos poemas sobre os ciganos e entre eles, o Romancero Gitano e Poema Del Cante Jondo,onde descreve as injustiças sofridas pelos gitanos espanhóis na sua época.Chamam-no de o “poeta dos ciganos”.No Romancero ele descreve um diálogo entre um cigano preso e o tenente-coronel da Guarda Civil:
“-Que és tu?
-Um cigano.
-E o que é um cigano?
-Qualquer coisa... [...]
[...] Inventei umas asas para voar e vôo. [...] Ainda que não necessite de asas, porque vôo sem elas. Nuvens e anéis em meu sangue.”
Voar sem asas. Eis o grande segredo dos artistas, dos ciganos e também das crianças, cuja alegria se contenta com “o fazer de conta” da imaginação. O fazer acontecer da Arte... A sua magia!Quanto mais somos artistas, mais elegemos a alegria como tônica da nossa vida diária. Comparo o artista com a carta numero um dos arcanos maiores do Tarô de Marselha: o Mago. Ele tem o poder de criar, transformar o mundo, mudar a realidade.
E, sabemos que a arte está em nosso sangue, em nossa alma!Talvez seja por isso, que temos conseguido sobreviver a tantos sofrimentos, perseguições, isolamento e morte. Na segunda guerra, presos em campos de concentração nazistas, demos ao mundo um exemplo de bravura e resistência: esfarrapados e famintos, cheios de piolhos e feridas, os ciganos tocavam violino e cantavam para que suas crianças não vissem que a morte estava próxima! A carta de número 16 do Petit Lenormand, a estrela da sorte e da esperança sempre brilhou em nossas estradas, sempre nos apontou o melhor caminho...
Cezarina Macedo/2011.
(Trecho de um de meus artigos publicado na Janellá)
IMAGENS EXTRAÍDAS DO BLOG:
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